É certo que, ao ler um contrato, você se deparará com uma disposição informando que os conflitos referentes ao mencionado documento serão resolvidos no foro de determinada comarca, escolhida pelos signatários.
Em outras palavras, o que se determina, com essa disposição, é o local onde as partes resolverão quaisquer conflitos oriundos do documento que não sejam resolvidos amigavelmente. “Foro”, então, é o local onde a ação judicial poderá ser proposta.
Via de regra, a eleição de foro não gera grandes discussões, uma vez que o Código de Processo Civil (“CPC”) é claro em relação à competência dos tribunais brasileiros a depender da matéria tratada e das partes signatárias do contrato1. Não sendo objeto de competência exclusiva prevista na lei, as partes podem selecionar o local da resolução de eventual demanda judicial.
Não é tão simples a análise, contudo, ao se tratar de contratos internacionais, tema que será aqui abordado.
O CPC determina, em seu artigo 25, que a competência da autoridade judiciária brasileira será afastada quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação.
Isso significa que, sendo colocado no contrato que quaisquer conflitos dele resutantes serão resolvidos em foro estrangeiro, a competência da justiça brasileira deverá ser afastada, desde que preenchidos os requisitos legais.
Alguns desses requisitos, no entanto, geram dúvidas desde aos estudiosos do direito, profissionais e julgadores, até às próprias partes contratantes. Isso porque, além de determinar que o contrato deve ser escrito2 e a eleição de foro (i) deve dizer respeito a determinado negócio jurídico3 e (ii) não deve caracterizar abusividade4, o mesmo diploma legal determina, para o afastamento da justiça brasileira, a necessidade de (i) o contrato ser internacional, (ii) a cláusula prever a eleição de foro exclusivo estrangeiro, e (iii) a eleição de foro estrangeiro ser arguida, pelo réu, em contestação5.
Buscaremos abordar, assim, os pontos mais debatidos e que mais nos são questionados acerca do tema.
Algumas Respostas
1. Quais matérias podem ser resolvidas no foro estrangeiro.
O Capítulo I do Título II do CPC, destinado à regência da competência jurisdicional nacional, contém 5 artigos, dos quais 2 tratam de competência concorrente entre as jurisdições nacional e estrangeira e 1 determina as matérias de competência exclusiva brasileira.
A relevância dessa divisão é que as matérias de competência concorrente podem ser abordadas, desde que preenchidos os requisitos legais, tanto em tribunal brasileiro como em estrangeiro mas, se no contrato for eleito foro estrangeiro para julgar eventual demanda, a vontade das partes, via de regra, deverá ser respeitada.
E quais matérias são essas, a serem julgadas onde as partes bem entenderem? As ações (i) em que o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, esteja domiciliado no Brasil, (ii) referentes a obrigações que devam ser cumpridas no Brasil, (iii) cujo fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil, (iv) de alimento (há exceções), (v) decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil, e (vi) em que as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional.
Pode causar estranheza a leitura das matérias indicadas (que tanto mencionam o Brasil), mas todas essas permitem o julgamento internacional. Ocorre que o CPC determina essas matérias como de competência da justiça brasileira mas, como não menciona uma competência “privativa” ou “exclusiva”, interpreta-se pela competência concorrente.
No entanto, se por um lado o CPC prevê matérias passíveis de tratamento tanto no Brasil como no estrangeiro, por outro determina, também, matérias que somente poderão ser tratadas pelo judiciário braisleiro (e utiliza, para que não restem dúvidas, a expressão “com exclusão de qualquer outra [competência]”). Nesta hipótese, a previsão do CPC prevalece sobre a vontade das partes, afastando a competência estrangeira. São as hipóteses (i) de ações relativas a imóveis situados no Brasil, (ii) quanto à matéria de sucessão hereditária, de proceder à confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, (iii) quanto a divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, de proceder à partilha de bens situados no Brasil.
O que ocorrerá na prática, então? Havendo previsão de foro estrangeiro no contrato, não sendo, a matéria tratada, de competência exclusiva do judiciário brasileiro e sendo os demais requisitos preenchidos, o julgador brasileiro declinará a sua competência e a demanda será julgada exclusivamente na justiça estrangeira.
2. Necessidade de ser, o contrato, internacional.
Apesar de mencionado no artigo 25 do CPC, referido diploma não conceitua o termo “contrato internacional”, requisito essencial para a validade da cláusula de eleição de foro. Tampouco há referido conceito em uma jurisprudência consolidada ou entendimentos doutrinários uníssonos. Isso, inclusive, é matéria para artigo próprio6, não sendo tema da presente discussão.
Sem prejuízo, seguiremos o entendimento mais comumente utilizado pela doutrina, no sentido de que o contrato é internacional quando contiver elementos de estraneidade, ou seja, elementos de conexão entre sistemas jurídicos diferentes7.
Tome-se como base, para exemplificar, recente acórdão do TJSP, no qual foram consideradas características de contrato internacional “parte residente em outro país ou com atuação no estrangeiro, ou com fluxo financeiro e de produtos entre países diversos”8.
3. Necessidade da cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro.
Pela interpretação literal do CPC, o afastamento da competência da justiça brasileira, quando eleito foro estrangeiro, somente seria possível se o contrato contivesse cláusula de eleição exlusiva de foro estrangeiro. É aquela famosa redação “as Partes, em comum acordo, elegem o foro da Comarca de [--] para a resolução de conflitos relativos a este contrato, com exclusão de qualquer outro, por mais privilegiado que seja”.
No TJSP, contudo, há jurisprudência no sentido de ser redundante a previsão expressa de exclusividade do foro escolhido, visto que a previsão de um foro já seria suficiente para a exclusão da competência dos demais9.
O mais seguro, por certo, é a previsão de exclusividade do foro. De qualquer forma, ainda que nada seja dito expressamente, a decisão mencionada abre portas para argumentação em sentido contrário.
4. Exclusividade do foro estrangeiro desde que arguida em contestação.
A arguição pelo réu, em contestação, da incompetência da justiça brasileira para o julgamento da lide em razão da eleição de foro estrangeiro não é requisito para a validade da cláusula de eleição de foro estrangeiro, mas sim para a sua exclusividade.
Isso porque, como falado anteriormente, o CPC prevê matérias que atraem tanto a competência brasileira como a estrangeira, e o mesmo diploma determina que não haverá litispendência entre elas10, de modo que nada impede o andamento concomitante de ação com o mesmo objeto nos tribunais brasileiro e estrangeiro.
Assim, sendo proposta ação referente a contrato que determinou a eleição de foro internacional, se nada o réu alegar em contestação o juiz brasileiro se tornará também compentente para julgar a causa11. Tramitando as duas ações concomitantemente nos juízos brasileiro e estrangeiro, valerá a que primeiro transitar em julgado (lembrando que a sentença estrangeira precisará ser homologada pelo STJ para produzir efeitos no Brasil).
A eleição de foro estrangeiro em contratos é alvo de debates que dificilmente se esgotarão, mas esperamos que, com o presente texto, consigamos sanar as dúvidas mais comuns sobre o tema.
Assim, para facilitar a leitura, sintetizamos as seguintes informações: (i) salvo se o CPC determinar como competência exclusiva da justiça brasileira, não há impedimentos de matérias a serem tratadas pelo juízo estrangeiro, (ii) por ora, podemos entender como “contrato internacional” aquele que contém elementos estrangeiros (uma das partes é estrangeira, por exemplo), (iii) para evitar quaisquer debates, é importante que tenha, no contrato, a eleição de foro exclusivo estrangeiro, com exclusão de quaisquer outros (aos nossos leitores com os contratos firmados sem essa disposição, há possibilidade de discutirmos, em eventual ação, a sua desnecessidade), e (iv) se foi eleito foro estrangeiro e a ação foi proposta no Brasil, para que corra exclusivamente no exterior é preciso de manifestação neste sentido na contestação.
Ressaltamos, por fim, que os entendimentos do mundo jurídico são constantemente atualizados. Desta forma, é importante que a elaboração, análise e assinatura de contratos sejam sempre acompanhadas de profissionais especializados.
Sobre a autor:
Bruno César
Advogado pós-graduado em Direito Processual Civil
e com extensão em Direito Societário.